O CASAMENTO COMO UMA RELAÇÃO PSICOLÓGICA

Para formar uma idéia básica sobre o que Jung tem a dizer para o caso de James Joyce, ou Ulysses, ver também "Os Estágios da Vida".

Carl G. Jung

Collected Works, Vol. 17

De:"The Development of Personality" Vol 17,pages 324-345
(Inicialmente publicado como "Die Ehe als psychologische Beziehung" em "Das Ehebuch" (Celle, 1925), editado pelo Conde Hermann Keyserling, traduzido por Theresa Duerr na versão Inglesa, "O Livro do Casamento" (New York, 1926). O original foi republicado na "Seelenprobleme der Gegenwart", (Zurich, 1931). O ensaio foi novamente traduzido para o Inglês por H.G. e Cary F.Baynes na "Contributions to Analytícal Psychology" (Londres e N.York, 1928)), e esta versão foi usada para esta tradução, extraída do "The Portable Jung", editado por Joseph Campbell, Copyright "The Viking; Press, New York, 1971"

Visto como uma relação psicológica, o casamento é uma estrutura altamente complexa, feita de uma serie completa de fatores objetivos e subjetivos, a maioria de natureza bastante heterogênea.
Como desejo confinar-me aos problemas puramente psicológicos do casamento, eu preciso desprezar do objetivo principal fatores de natureza social e legal, contudo estes fatores não falham em ter uma influencia pronunciada na relação psicológica entre os parceiros no casamento
Sempre que falamos de uma relação psicológica, nos pressupomos que ela é CONSCIENTE, porque não existe tal coisa como uma relação psicológica entre duas pessoas que estão em estado de inconsciência. Do ponto de vista psicológico eles não teriam relação alguma. De qualquer outro ponto de vista, do fisiológico, por exemplo, eles poderiam ser vistos como relacionados, mas não se poderia chamar este relacionamento de psicológico. É preciso admitir que embora tal total inconsciência como eu assumi nunca ocorra, existecontudo um grau parcial de inconsciência considerável, e a relação psicológica é limitada ao grau para o qual esta inconsciência existe.
Na criança, a consciência emerge das profundezas da vida psíquica, no inicio como ilhas separadas, as quais gradualmente se unem formando um "continente", uma massa de terra continua de consciência. Desenvolvimento mental progressivo significa, na verdade, extensão da consciência. Somente com o emergir da consciência, e nunca antes, uma relação psicológica se torna possível. Tanto quanto sabemos, a consciência é uma ego-consciência. Afim de ser consciente de mim mesmo, eu preciso ser capaz de me distinguir dos outros. Relacionamento somente pode correr quando esta distinção existe. Mas embora a distinção possa ser feita de forma genérica, normalmente ela é incompleta, porque grandes áreas da vida psíquica ainda permanecem inconscientes. Como não é possível fazer diferenciação no que tange ao conteúdo do inconsciente, neste terreno nenhum relacionamento pode ser estabelecidos; ali ainda reina a condição de inconsciência original da identidade primitiva do ego com os outros, em outras palavras, uma completa ausência de relacionamento.
A pessoa jovem em idade de casar possui, claro, uma ego-consciência (as garotas mais do que os homens, como regra), mas como uma vez que ela recentemente emergiu das brumas da inconsciência original, ela tem com certeza grandes áreas que ainda permanecem na sombra e que tornam impossível, como conseqüência, ate este limite a formação da relação psicológica. Isto significa, na pratica, que o jovem (ou a jovem) pode somente ter um entendimento incompleto de si mesmo e dos outros e, por isto mesmo, esta assim imperfeitamente informado(a) quanto aos seus. Via de regra os motivos que a levam (ou o levam ) são largamente inconscientes. Subjetivamente, claro, ela(e) pensa que esta muito consciente e conhecedora da situação, porque nós freqüentemente superestimamos o conteúdo da consciência e é uma grande e surpreendente surpresa descobrir que o que considerávamos o cume final não é nada senão o primeiro passo de uma subida muito longa. Quanto maior a área de inconsciência, quanto menor o casamento é matéria de livre escolha, como é mostrado subjetivamente na compulsão fatal que uma pessoa sente quando esta agudamente apaixonada. A compulsão pode existir mesmo que a pessoa não esteja apaixonada, embora de forma menos agradável.
As motivações inconscientes são de natureza pessoal e geral. Primeiramente existem os motivos de influencia dos pais. O relacionamento entre o jovem e sua mãe, e a da jovem com o pai, é fator determinante neste aspecto. É a força da ligação aos pais que inconscientemente influencia a escolha do marido ou esposa, tanto positiva como negativamente. Amor consciente por qualquer dos pais favorece a escolha de um companheiro(a) semelhante enquanto que uma ligação inconsciente, (que não precisa por nenhuma razão ser expressada conscientemente como amor) faz a escolha difícil e impõe modificações características. Afim de entendê-las, precisa-se conhecer primeiramente todas as causas da ligação inconsciente aos pais e em que caso ela forçosamente modifica, ou mesmo impede, a escolha consciente. Duma maneira geral, toda a vida que os pais poderiam ter vivido, mas da qual eles se frustraram por não fazê-lo por motivos artificiais, é passada para as crianças de forma substitutiva. Isto quer dizer que as crianças são inconscientemente empurradas na direção intencionada para compensar por tudo que foi deixado vazio nas vidas de seus pais. Desta forma, pais excessivamente moralistas tem o que são chamados crianças "imorais" ou então um pai excessivamente perdulário terá um filho morbidamente ambicioso e assim por diante. Os piores resultados provem de pais que permaneceram artificialmente inconscientes. Tome por exemplo o caso da mãe que delíberadamente se torna inconsciente de tal maneira a não perturbar a imagem falsa de um casamento satisfatório. Inconscientemente ela vai atar seu filho a ela, mais ou menos como um substituto pelo marido. O filho, se não for forçado diretamente na homossexualidade, é compelido a modificar sua escolha de maneira a contrariar sua verdadeira natureza. Ele pode, por exemplo, casar um. garota que é obviamente inferior a sua mãe e assim incapaz de competir com ela; ou ele se apaixonara por uma mulher de disposição tirânica ou dominadora, que talvez tenha êxito em desligá-lo de sua mãe. A escolha do companheiro, se os instintos não foram viciados, pode permanecer livre destas influencias, mas mais cedo ou mais tarde elas se farão sentir como obstáculos. Uma escolha mais ou menos instintiva pode ser considerada a melhor do ponto de vista de manter a espécie, mas não é sempre feliz psicologicamente, porque existe freqüentemente uma enorme diferença entre a personalidade puramente instintiva e aquela que é individualmente diferencial. E, embora em tais casos a raça possa ser revigorada por uma escolha puramente instintiva, a felicidade pessoal tende a sofrer.(A idéia de "instinto" é, claro, nada mais do que uma coleção de termos de todos fatores orgânicos e psíquicos cuja natureza é na sua maior parte desconhecida).
Se o indivíduo for visto somente como um instrumento para manter a espécie, então a escolha puramente instintiva do companheiro é de longe a melhor. Mas, uma vez que as fundações de tal escolha são inconscientes, somente um tipo de ligação impessoal pode ser construída. entre eles, tal como pode ser observada ao limite da perfeição entre os povos primitivos. Isto se pudermos falar aqui de algum relacionamento, pois, na melhor das hipóteses, isto é somente uma pálida reflexão do que queremos dizer, um estado muito distante de relacionamento com uma característica decididamente impessoal, totalmente regulada pelos costumes e preconceitos tradicionais, o protótipo de todo casamento convencional.
Portanto, se a razão, ou o cálculo, ou o tão falado "amor materno/paterno" dos pais não arranje o casamento, e os sentimentos puros da criança não tenham sido viciados por falsa educação ou por influencias de complexos dos pais acumulados ou negligenciados, a escolha seguira normalmente as motivações inconscientes do instinto. Inconsciência resulta em não diferenciação, ou identidade inconsciente. A conseqüência prática disto é que o indivíduo pressupõe no outro uma estrutura psicológica similar à sua. Vida sexual normal, tanto como uma experiência compartilhada com fins aparentemente similares, tendem a reforçar o sentimento de unidade e identidade. Este estado é descrito como de completa harmonia e é glorificado como uma grande felicidade ("um só coração e uma só alma") não sem boa razão, uma vez que o retorno a condição de unidade inconsciente é como o retorno a idade infantil. Dai os gestos infantis de todos os amantes. Ainda mais é um retorno ao útero da mãe, nas profundidades da concepção de uma criatividade não ainda consciente. É na verdade, uma genuína e incontestável experiência do Divino cuja força transcendental oblitera e consome tudo no indivíduo; uma comunhão real com a vida e o poder impessoal do destino. A vontade do indivíduo para auto-possessão é quebrada: a mulher se transforma em mãe, o homem em pai, e, desta maneira, ambos são roubados de sua liberdade e feitos instrumentos da sede da vida por ela mesma.
Aqui a relação permanece dentro dos limites dos objetivos biológicos, a preservação da espécie. Uma vez que este objetivo é de natureza coletiva, a ligação psicológica entre o marido e a mulher também será essencialmente coletiva, e não pode ser olhada como um relacionamento individual no sentido psicológico. Nós somente poderemos falar disto quando a natureza das motivações inconscientes forem reconhecidas e a identidade original quebrada. Raramente o casamento se desenvolve para uma relação individual maciamente e sem crises. Não existe nascimento de consciência sem dor.
As maneiras que levam para a realização consciente são muitas mas seguem leis definidas. Duma maneira geral, a mudança começa na virada da segunda metade da vida. O período intermediário da vida é de enorme importância psicológica.
Quando criança, a pessoa começa sua vida psicológica dentro de limites muito estreitos, dentro do circulo mágico da mãe e da família. Com sua progressiva maturação, ela abre seu horizonte e sua esfera de influencia; suas esperanças e intenções são dirigidas com a finalidade estender o objetivo do seu poder pessoal e suas possessões; o desejo avança para fora no mundo numa distancia cada vez maior. A vontade da pessoa se torna mais e mais idêntica com os objetivos naturais perseguidos pelas suas motivações inconscientes. desta maneira, a pessoa respira sua vida nas coisas, ate que finalmente elas começam a viver por si mesmas e se multiplicar; e imperceptivelmente a pessoa é ultrapassada por elas. As mães são subjugadas pelos seus filhos, os homens pelas suas próprias criações, e o que foi originalmente trazido à existência com apenas trabalho e o maior dos esforços não pode mais ser mantido. Primeiro era paixão, depois se transformou em dever, e, finalmente em carga intolerável, um vampiro que suga a vida do seu criador. A idade madura é o momento da grande abertura, quando a pessoa ainda se dá ao trabalho com toda sua energia e toda sua vontade. Mas neste momento, nasce o alvorecer, e a segunda metade da vida começa. A paixão transforma sua face e é agora chamada obrigação; "eu quero" se transforma inexoravelmente em "eu preciso", e as curvas da estrada que uma vez trouxeram surpresa e descobertas se tornam monótonas pelo uso. O vinho fermentou e começa a assentar e clarear. Tendências conservadoras se desenvolvem se tudo for bem; em vez de olhar para frente a pessoa olha para trás, a maior parte do tempo involuntariamente, e a pessoa percebe com. sua vida se desenvolveu ate este ponto. As motivações reais são procuradas e verdadeiras descobertas são feitas. O reconhecimento critico de si mesmo e de seu destino permite à pessoa conhecer suas peculiaridades. Mas estas visões intimas não vêm para ela facilmente, elas são obtidas através dos mais severos dos choques.
Uma vez que os objetivos da segunda metade da vida são diferentes dos da primeira metade, hesitar muito na atitude juvenil produz uma divisão da vontade. A consciência ainda pressiona para frente em obediência, como se fosse pela sua própria inércia, mas o inconsciente fica para trás, porque a força e a decisão íntimos necessários para sua posterior expansão foram enfraquecidas. Esta disputa consigo mesmo originam descontentamento e uma vez que o indivíduo não esta consciente do real estado das coisas ele projeta suas causas no parceiro. Uma atmosfera crítica então se desenvolve, o preludio necessário para realização do consciente. Normalmente este estado de coisas não começa simultaneamente para ambos os parceiros. Mesmo os melhores casamentos não conseguem expurgar as diferenças individuais tão completamente que o estado mental dos parceiros é absolutamente idêntico. Na maioria dos casos um deles se adaptará ao casamento mais rapidamente que o outro. Aquele que está baseado numa relação positiva com os pais achará pouca ou nenhuma dificuldade em ajustar-se com seu ou sua parceira, enquanto o outro pode ser impedido por um laço inconsciente profundo ligado aos pais. Ele desta maneira somente encontrará completa adaptação posteriormente e, porque a conseguiu com maior dificuldade, pode mesmo provar ser a mais durável.
Estas diferenças de ritmo e o grau de desenvolvimento espiritual são as principais razões das dificuldades típicas que fazem sua aparição nos momentos críticos. Ao falar em "desenvolvimento espiritual", da personalidade, eu não quero dizer que implica numa natureza especialmente rica ou magnânima. Não é de forma nenhuma este o caso. Eu quero dizer, ao invés disto, um. certa complexidade mental ou de natureza comparável como uma pedra preciosa de muitas facetas, e outra pedra preciosa da forma de um simples cubo. Existem muita. naturezas multi-facetadas e um tanto problemáticas carregadas com traços hereditários que são muitas vezes difíceis de reconciliar. Adaptação a tais naturezas, ou sua adaptação a personalidades mais simples, é sempre um problema. Estas pessoas, tendo uma certa tendência à dissociação, geralmente tem a capacidade de separar os traços irreconciliáveis por longos períodos, desta forma passando por pessoas muito mais simples do que são; ou pode ser que sua multifacetação, sua versatilidade, os leve para um "charme" particular. Seus parceiros podem facilmente se perder em tal natureza labirintea, encontrando nela tal abundância de possíveis experiências que seus interesses pessoais são completamente absorvidos, algumas vezes de maneira não muito agradável, uma vez que sua ocupação exclusiva consiste em seguir o outro através das curvas e viradas do seu caráter. Existe sempre tanta experiência disponível que a personalidade mais simples é envolvida, senão submersa pela outra, ela é engolida pelo seu parceiro mais complexo e não enxerga sua saída. É uma ocorrência regular para a mulher ser totalmente contida, espiritualmente no seu marido, e para seu marido ser totalmente contido emocionalmente e. sua mulher. Isto poderia ser descrito como o problema do "conteúdo" e "o-que-contem".
Aquela (pessoa) que é contida se sente como se vivesse inteiramente dentro do confinamento do casamento, sua atitude para parceiro do casamento é individida; fora do casamento não existem obrigações essenciais ou interesses pendentes. O aspecto desagradável deste companheirismo é a inquietante dependência sobre a personalidade do outro que nunca pode ser vista inteiramente, e por isto não é acreditável e confiavel. A grande vantagem deste relacionamento reside na sua indivisibilidade e este fator não pode ser subestimado na economia psíquica.
Aquela (pessoa) que contém, (Nos parágrafos que se seguem a colocação masculina ou feminina não expressa a condição da mulher ou do homem, qualquer dos dois pode encarnar qualquer papel e vice-versa. Foi seguido o texto. REC) por sua vez, e que está em concordância com sua tendência para dissociação e tem uma necessidade especial de unificar-se num amor indivisível pela outra pessoa, será deixado para trás neste esforço pela personalidade mais simples, o que é naturalmente muito difícil para ela. Enquanto que ela está procurando na ultima todas as sutilezas e complexidades que a complementariam, e corresponderiam às suas próprias facetas, ela é perturbada pela simplicidade do outro. Uma vez que dentro de circunstâncias normais a simplicidade sempre tem vantagem sobre a complexidade, lá muito cedo será obrigada a abandonar seus esforços para levantar sutis e intricadas reações na natureza mais simples. E muito cedo, seu parceiro, que em concordância com sua natureza mais simples espera respostas simples dela, lhe dará bastante o que fazer constelando suas complexidades com sua perpétua insistência em respostas simples. Por compulsão, ela precisa retirar-se em si mesma diante da influencia da simplicidade. Qualquer esforço mental, como o processo da conscientização ele mesmo, é de tanto esforço para o homem comum que ele invariavelmente prefere ser simples, mesmo que isto não seja verdade. E quando isto representa meia verdade, então, para ele está bom. A pessoa de natureza mais simples trabalha no método mais complicado, como um cômodo que é muito pequeno, que não permite espaço suficiente para a outra. A natureza complicada, por outro lado, dá para o mais simples muitos cômodos com muito espaço, de tal maneira que ela nunca sabe aonde ela pertence. Desta maneira é natural que a pessoa mais complicada contenha a mais simples. O primeiro não pode ser absorvido no ultimo, mas o contém sem ser ele mesmo contido. Alem disto, a pessoa mais complicada tem talvez uma necessidade maior de ser contida que a outra, ela se sente sempre fora do casamento e em conformancia com isto sempre desempenha o papel problemático. Quanto mais aquele que é contido tenta segurar, mais aquele que contem se sente fora da relação. O que é contido se empurra na relação por segurar e quanto mais ele puxa, menos aquele que contém tem capacidade de responder. Desta forma, o indivíduo tende a espiar fora da janela, sem duvida inconscientemente no início; mas no inicio da idade madura acorda nele um desejo mais insistente por esta unidade e indivisibilidade que é especialmente necessária para ele por conta de sua natureza dissociada. Nesta conjuntura, as coisas estão aptas a ocorrer de tal maneira que o conflito vem a tona. Ele se torna consciente do fato que está procurando completar-se, procurando o conteúdo e a indivisão que sempre lhe faltou. Para o contido isto é somente uma confirmação da insegurança que ele sempre sentiu tão dolorosamente; ele descobre que nos cômodos que aparentemente lhe pertenciam vivem outros hospedes não desejados. A esperança de segurança desaparece e seu desapontamento o impele para si mesmo ao menos que por esforço desesperado e violento ele possa conseguir forçar seu parceiro a capitular, extorquindo a confissão que seu desejo por unidade não era nada senão uma fantasia mórbida infantil. Se estas táticas falharem, sua aceitação da derrota lhe fará bem verdadeiro, pois que o forçará a reconhecer que a segurança que ele tão desesperado estava procurando no outro tem que ser encontrada em si mesmo. Desta maneira ele se encontra em si mesmo e descobre na sua própria natureza simples todas as complexidades que seu contenedor tinha procurado em vão.
Se o contenedor não quebra em face do que costumamos chamar "infidelidade", mas continua acreditando na justificação intima do seu desejo por unidade, ele terá que guardar para si sua auto-divisão para aquele momento. A dissociação não é curada pela separação, mas por uma desintegração mais completa. Todas as forças que angustiam por unidade, todo o desejo saudável de individualidade resistirá à desintegração e, desta maneira ele se tornará consciente da possibilidade de integração intima, o que antes ele sempre tinha procurado fora de si. Desta maneira ela encontrará finalmente seu prêmio no seu indivisível eu.
Isto é o que acontece muito freqüentemente na idade madura, e nesta sabedoria nossa milagrosa natureza humana força sua transição da primeira metade da vida para a segunda. É uma metamorfose em que o indivíduo parte do estado de ser apenas uma ferramenta da natureza instintiva para outro estado em que ele não é mais uma ferramenta, mas sim ele mesmo: uma transformação de natureza em cultura, de instinto em espirito.
É necessário tomar grande cuidado para não interromper este desenvolvimento necessário por atos de violência moral, pois quaisquer tentativas de criar uma atitude espiritual pela amputação ou supressão dos instintos é uma falsificação. Nada é mais repulsivo do que uma espiritualidade furtivamente luxuriosa; é tão desagradável como sensualidade grosseira. Mas a transição toma grande tempo e a grande maioria das pessoas afunda nos primeiros estágios. Se nós pudéssemos, como os primitivos deixar o inconsciente tomar conta de todo este processo de desenvolvimento psicológico que o casamento proporciona, estas transformações poderiam proceder mais completamente e sem tanto atrito. Muito freqüentemente entre os chamados "primitivos" cruzamos com personalidades espirituais que imediatamente os inspiram respeito, como se elas fossem os produtos maduros de um destino imperturbável. Eu falo aqui de experiência pessoal. Mas entre nós europeus atuais podemos encontrar alguém não foi deformado por atos de violência moral? Nós ainda somos bárbaros que ainda acreditamos em ascetiscismo e seu oposto. Mas a roda da historia não pode voltar; nós somente podemos lutar em direção a uma atitude que nos permitirá viver nosso destino tão imperturbavelmente como o primitivo pagão em nós realmente deseja. Somente nesta condição nós podemos ter certeza de não estarmos pervertendo espiritualidade em sensualidade e vice-versa; porque ambas tem que viver, cada uma gerando vida para a outra.
A transformação que eu descrevi brevemente acima é a essência final da relação psicológica no casamento. Muito poderia ser dito sobre as ilusões que serve para os fins da natureza e que trazem as transformações que são características da idade madura. A harmonia peculiar que caracteriza o casamento durante a primeira metade da vida - quando o ajuste teve êxito - é largamente baseada na projeção de certas imagens arquétipos, como a fase critica o faz claro.
Todo homem carrega dentro dele a imagem eterna da mulher, não a imagem desta ou daquela mulher, mas uma ímagem feminina definida. Esta imagem é fundamentalmente inconsciente, um fator hereditário de origem nos primórdios gravada no sistema vivo orgânico do homem, como uma impressão do "arquétipo" de toda. as experiências ancestrais da fêmea, um deposito, como se fosse, de todas as impressões jamais feitas por mulher- em resumo, - um sistema herdado de adaptação psíquica. Mesmo que não existissem mulheres, seria ainda possível, em dado momento, deduzir desta imagem inconsciente, exatamente como uma mulher deve ser constituída psiquicamente. O mesmo é verdade para a mulher: Ela também tem sua imagem inata do homem. Atualmente sabemos da experiência que seria mais preciso descrever isto como uma imagem do homem enquanto que no caso do homem é antes a imagem da mulher. Uma vez que esta imagem é inconsciente, lá é sempre inconscientemente projetada sobre a pessoa do amado e é uma das razões básicas por atração apaixonada ou por aversão. Eu chamo isto de "anima", enquanto que a escolástica questão "Habet mulier animam?" (tem a mulher "anima") eu a acho especialmente interessante, uma vez que do meu ponto de vista é uma pergunta inteligente porque a dúvida parece justificada. A mulher não tem "anima", ou alma, mas ela tem "animus" A "anima" tem um caráter erótico, emocional, o "animus" um racional. Por isto que a maior parte do que os homens falam sobre erotismo feminino e particularmente sobre a vida emocional feminina, é derivado das próprias projeções de sua "anima" e, por isto mesmo, distorcidas. Por outro lado, as idéias e fantasias que as mulheres fazem sobre os homens vem da atividade do "animus", que produz um inesgotável suprimento de argumentos ilógicos e explicações falsas.
"Anima" e "animus" são ambos caracterizados por uma extraordinária multifacetação. No casamento sempre é o contido que projeta esta imagem sobre o "contenedor" enquanto que este ultimo é somente parcialmente capaz de projetar sua imagem inconsciente sobre seu parceiro. Quanto mais unificado e simples seu parceiro, menos completa a projeção. Sendo que, neste caso, uma imagem altamente fascinante fica pendendo como se estivesse no ar, como se estivesse esperando ser preenchida por uma pessoa viva.
Existem certos tipos de mulheres que parecem ser feitas pela natureza para atrair projeções da "anima". Verdadeiramente pode-se falar quase de um "tipo animal'. O tão repetido caracter tipo "esfinge" é parte indispensável deste equipamento, também um ar equivoco, uma característica fugaz e intrigante - não indefinida de forma a nada a oferecer, mas de uma indefinição cheia de promessas, como o silencio que fala da Mona Lisa. Uma mulher deste tipo é ao mesmo tempo velha e jovem, mãe e filha, de castidade mais do que duvidavel, infantil e ainda assim maliciosa e capaz de desarmar qualquer homem.(A Ellis Regina canta uma música do Chico Buarque que descreve isto admiravelmente. O filme "Rebecca"discute isto. REC) Nenhum homem de verdadeiro poder intelectual pode ser "animus", porque o "animus" tem que ser um "senhor", não no sentido de apenas boas idéias, mas como também de palavras adequadas - palavras aparentemente cheias de sentido que pretendem deixar muito sem ser dito. Ele precisa também pertencer à classe "incompreendida", ou de alguma maneira estar desajustado com seu ambiente, de tal maneira que a idéia de auto-sacrificio possa se insinuar ela mesma. Ele precisa ser um herói. questionável, um homem com possibilidades, o que não é dizer que uma projeção de um "animus" não possa descobrir um herói real muito antes dele se tornar perceptível à percepção lerda dos indivíduos de "inteligência media". (O ator James Dean, no filme "Juventude Transviada", é um ótimo exemplo disto. REC)
Para o homem tanto quanto para a mulher, desde que eles sejam "contenedores", o preenchimento desta imagem é uma experiência carregada de conseqüências, porque ela possui a possibilidade da resposta de suas próprias complexidades respondida por uma diversidade correspondente. Grandes horizontes parecem se abrir nos quais o indivíduo se vê abraçado e contido. Eu disse "parecem" intencionalmente, porque a experiência pode ser de duas faces. Tanto pode a projeção do "animus" da mulher freqüentemente pegar um homem de real valor e não reconhecido na massa e na realidade ajuda-lo a alcançar seu verdadeiro destino com seu suporte moral, como pode também o homem criar para si mesmo uma "femme ínspiratrice" pela projeção de sua "anima". Mas muito freqüentemente acaba sendo uma ilusão com conseqüências destrutivas, um. derrota porque sua fé não foi suficientemente forte. Para os pessimistas, eu diria que estas imagens psíquicas primordiais tem um extraordinário valor positivo, mas para os otimistas eu preciso avisá-los contra fantasias e a semelhança das aberrações mais absurdas.
Não se deve de maneira nenhuma considerar esta projeção como sendo uma relação consciente. Nos primeiros estágios, é longe disto, porque cria uma dependência compulsiva baseada em motivos inconscientes não biológicos. A obra "She" de Rider Haggard (Veja uma apresentação visual sobre o filme e a obra) dá alguma indicação do curioso mundo de idéias que existe sob a projeção da "Anima". (Extendendo um pouco os exemplos, Greta Garbo, Rodofo Valentino, Clark Gable, Marylin Monroe, etc., etc., incarnavam isto no imaginário das pessoas. REC)
São em essência de conteúdo espiritual, freqüentemente disfarçados eroticamente, fragmentos óbvios de uma mentalidade primitiva mitológica que consiste de arquétipos e cuja totalidade constitui o inconsciente coletivo. Desta maneira, tal relação esta no fundo do coletivo e não do indivíduo. (Benoit, que criou "L'Atlantide", uma figura de fantasia similar até em detalhes a "She", nega que plagiou Rider Haggard) (Veja outra apresentação sobre esta divergência)
Se tal projeção se fixa em alguém dos parceiros dum casamento, uma relação espiritual coletiva conflita com o coletivo biológico e produz no "contenedor" a divisão ou desintegração que eu já descrevi anteriormente. Se ele (a) for capaz de manter sua cabeça fora da água, ele (a) vai se encontrar através deste mesmo conflito. No caso da projeção, embora perigosa nela mesma, o (a) terá ajudado a passar de uma relação coletiva para uma individual. Esta quantidade de plena consciência de relacionamento que o casamento traz. Uma vez que o objetivo desta discussão é a psicologia do casamento, a psicologia da projeção não nos deve preocupar aqui. É suficiente mencioná-1a como um fato.
Não se pode manusear com a relação psicológica do casamento sem mencionar, mesmo com risco de incompreensão, a natureza das suas transições críticas. Como é muito bem sabido, não se entende nada de natureza psicológica se não se experimentou em si mesmo. Não que isto previna alguém de sentir-se convencido que seu próprio julgamento é o único verdadeiro e competente. Este fato desconcertante vem da necessária supervalorização do conteúdo momentâneo da consciência, porque sem esta concentração de atenção ninguém poderia ser consciente. Desta forma, que cada período da vida tem sua verdade psicológica, o mesmo aplica-se a todos estágios de desenvolvimento psicológico. Existem alguns estágios que somente uns poucos podem alcançar, sendo uma questão de raça, família, educação, talento e paixão. A natureza é aristocrática. O homem normal é uma ficção, ainda que certas leis gerais validas existam. A vida psíquica é um desenvolvimento que pode ser facilmente preso nos níveis mais baixos. É como se cada indivíduo tivesse uma gravidade especifica, pela qual ele sobe, ou afunda, para o nível que ele encontra seu limite. Suas convicções e pontos de vista serão determinados proporcionalmente. Não é de se estranhar, portanto, que um numero muito maior de casamentos encontre seu limite psicológico superior no preenchimento da finalidade biológica, sem dano para a saúde espiritual ou moral. Relativamente poucas pessoas caem em profunda desarmonia consigo mesmos. Aonde existe uma grande pressão de fora, o conflito não é capaz de desenvolver muita tensão dramática por pura falta de energia. A insegurança psicológica, contudo, aumenta em proporção da segurança social, inconsciente no inicio, causando neuroses e então conscientemente, trazendo consigo separação, discórdia, divórcios e outras desordens conjugais. Em níveis mais altos, novas possibilidades de desenvolvimento psicológico são distinguidas, tocando na esfera da religião aonde o julgamento critico para.
O progresso pode ser permanentemente preso em quaisquer destes níveis, com completa inconsciência do que poderia ter se seguido no próximo estágio de desenvolvimento. Como regra, a graduação para o próximo estágio é barrada por preconceitos violentos e medos supersticiosos. Isto, contudo, serve a um fim muito útil, uma vez que um homem que é jogado por acidente a viver num nível muito alto para ele se torna um tolo e uma ameaça.
A natureza não é somente aristocrática, ela também é esotérica.(para iniciados) Alem disto, nenhum homem de entendimento será por isto induzido a fazer segredo do que ele sabe, porque ele percebe de maneira clara que o segredo do desenvolvimento psíquico não pode nunca ser traído, simplesmente porque o desenvolvimento é uma questão de capacidade individual.